domingo, 18 de outubro de 2009

A FOME E O LUCRO

Neocolonialismo, anotem este novo e perverso nicho de mercado. Oportunizado pela miséria crescente e patrocinado por governos em desmanche ético. Começou pela África e, se bobear, atingirá muitas áreas do chamado Terceiro Mundo.
A fome que campeia pelos países empobrecidos do norte africano desencadeou o processo, corporações transnacionais deram a partida para um perigosíssimo jogo de reaquisição desses territórios outrora dominados oficialmente por nações européias. No atual contexto econômico, os dominadores e os métodos são outros mas, na prática, os efeitos são até piores do que o sistema das antigas colônias.
Nessa nova onda de dominação, a China, a Coréia do Sul e a África do Sul são os campeões nessa modalidade, adquirindo imensas quantidades de terras no Congo e em outras nações que passam por crises econômicas extremas, já sem recuperação de suas finanças. E mais: que já perderam o alcance do estado nas regiões mais afetadas pela fome, pelo descontrole sanitário e pela inoperância administrativa.
A dinâmica é desigual e leonina. Os trustes compram enormes áreas à baixíssimo custo, comprometendo-se em dar contrapartidas mínimas, que pouco ou nada beneficiam às populações locais. Emprego, moradia, alimento e saúde aparecem mais como chamarizes num quadro de intensa exploração das riquezas e do potencial econômico desses sítios. São territórios extensos, literalmente abandonados, mas de infindáveis possibilidades lucrativas, quando adequadamente tratados.
Apesar de não se criar uma extraterritorialidade, essas áreas acabam sendo literalmente governadas por entidades sem nenhuma autoridade legitimamente constituída e, portanto, totalmente descompromissadas com o espírito público. Ao contrário, são comprometidas unicamente com o lucro.
Mais do que um simples questionamento acadêmico, o fato requer uma profunda reflexão sobre o desmedido valor que se dá à lucratividade da operação desses feudos encravados em países soberanos. Em função de mega-negociatas e em detrimento das populações, governantes em descompasso com suas atribuições negociam a própria dignidade nacional e condenam comunidades inteiras a uma escravidão compulsória, totalmente descabida diante dos direitos humanos.
A continuidade desse processo cria precedentes planetários e pode, facilmente, gerar modelos semelhantes em outras regiões carentes. Em 1970, o bilionário Daniel Ludwig inoculou o mesmo tipo de veneno nas mentes dos militares que então dominavam o estado brasileiro: criou na Amazônia o famigerado projeto Jarí. Sob a miragem de uma indústria de celulose, erigiu-se um império depredatório da natureza e um ambiente onde as condições de trabalho e sobrevivência eram desumanas. O monstro consumiu-se a si mesmo, por obra e graça da própria ação da floresta. Mas foi nefasto.
Cuidar da vida na Terra também é banir do convívio internacional essas relações espúrias entre o sofrimento humano e o lucro. Mais do que qualquer outra vã justificativa, há que se respeitar o muito que nos separa da bestialidade que sobeja na exploração do homem por seu semelhante.

J. Olímpio

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